29 novembro, 2011

Mundo humano

Hoje é uma dia de revolta que me fez lembrar um fato que escrevo agora: Manuela veio lentamente, em casa eu meditava, sorria, me banhava. As 9h resolvemos ir pra maternidade. Eu segurava a mão da minha doula e dizia: estou tão tranquila que tenho até medo. No carro fiquei ajoelhada, sorrindo, sorrindo muito. Chegamos na maternidade, fui atendida pela médica de plantão que com um tom péssimo disse: tira a calcinha e deita ali. Ela me tocou e disse: Você acha que esse nenem vai nascer de parto normal? Hum veremos. Ao que respondi, calma e plena: Ela vai nascer de parto natural, sem cortes, sem intervenções. A mulher grávida, em estado de graça, que deveria ser recebida e cuidada com amor e doçura, era eu. Ainda bem que era eu nesse dia. Eu tinha tanta leitura por detrás da minha decisão, eu tinha tanta meditação na gestação, eu tinha tanta fé em mim, eu confiava de forma absoluta no meu corpo, no meu poder de trazer minha filha e o mais importante: eu somava tudo isso a uma alegria enorme, que, acredite, cada contração me trazia, que essa sujeita foi uma sombra apagada pela luz que me aquecia naquele dia. Ao seu humpf, seu dedo frio, seu olhar pobre, hoje respondo: Manuela nasceu seis horas depois ao nosso triste encontro, eu gritei por ela entre lágrimas, eu senti meu corpo se abrir, ela saiu de mim e veio ao meu peito com o cordão ligado e mamou por uma hora. Ninguém cortou meu perineo, ninguém estorou minha bolsa. Ninguém tirou minha filha dos meus braços pra lhe dar banho, enfeitar e enfiar-lhe uma mamadeira com suplemento. E escrevo cada palavra dessa com o sangue quente e os olhos ardidos, porque diariamente médicos e medicas (!) agendam cesárias para serem práticos, aterrorizam as mulheres com relação ao seu real poder, cortam cordões precoces, e simplesmente estragam uma amamentação. Privam mães e filhos do olho no olho, do toque, do cheiro, da transmissão dos nutrientes tão importantes para o nenem, não permitem que a mãe alimente sua cria de algo que faz parte dela e foi feito pra ele. E as mães, essas mulheres resultado da queima de sutiãs de outrora, essas mães, mulheres cultas e informadas, têm medo de si, e de tantos nomes fortes como hipoglicemia, etc,etc. Essas mães ouvem do médico que seu leite só não é suficiente, ou que seu nenem é muito grande pra sair, ou simplesmente essas mães optam por uma cirurgia por medos que ela nem sabe nomear e as vezes nem querem chamar de medo, mas de opção. Deixa que eles fazem....
Violência contra a mulher não é só aquela do marido bebado que bate na cara. Hoje eu tomei uma porrada ao conversar com uma amiga, porque cada mulher que cai na teia do medo e da violência velada é um soco no meu ventre de mulher parideira, de mãe dedicada e informada, é um grito que sufoca a garganta e aperta o peito. É uma vontade de subir num palanque e berrar: Ser Humano vamos cuidar de nossas mães e vamos cuidar de nós! Não queremos mais homens que foram bebês de mamadeira e luz artificial, regados com lágrimas de uma mãe que transborda leite e não sabe como derramá-lo sobre o corpo e a alma de seu rebento.
Quanta vergonha sinto de nós.

Um comentário:

Daphne doula de BH disse...

Julieta querida, concordo com cada palavra, com a sua indignação e com a sua tristeza enorme. Concordo que está tudo do avesso e que se as mulheres esqueceram de acreditar e confiar nos seus corpos é hora de mudar. De devolver o protagonismo e gritar bem alto: o corpo é meu, o parto é meu, o filho é meu! Sigamos me frente com a nossa divina missão de esclarecer e ofertar apoio, de amparar e ajudar a parir.