31 outubro, 2008

O gesto e o silêncio

Falando tanto em silêncio e a coincidência mais uma vez me sacode. Estamos explorando a poesia do gesto na escola. A linguagem gestual. Qual seria a falação do gesto, que diz tanto.

Hoje fiz um improviso em cima da frase gestual de Pierrot e Colombina (que é linda!!) E senti como se não fizesse barulho, e ao mesmo tempo como se não estivesse a dizer claramente.

Perdi a dimensão do quanto estava me comunicando, ou se o estava. Perdi a palavra, emaranhada no silêncio barulhento do gesto e confundi os passos.

Mas uma coisa pode-se afirmar: o gesto é sempre lindo no Teatro e não resta dúvidas de que ele pode transcender o verbo, porque o verbo em si estará na ação (na sua função?). E a poesia, a poesia da palavra transfigurada para a metáfora do que não se deixou simplificar por meios tão literais.

Adoro isso. O gesto.

29 outubro, 2008

O gelo

Ontem a noite ao sair da escola, caia a chuva. A temperatura deveria estar muito baixa pois o frio aumentou consideravelmente. Ao chegar na Avenida próxima a minha casa decidi parar e esperar a chuva diminuir. Foi quando os pingos de água transformaram-se em finos flocos de gelo, e começou a nevar.

Foi mágico. Os flocos brancos refletidos nas luzes dos postes, caindo cada vez mais. Dançando ao vendo, molhando minha cara.

Fui para casa olhando para cima, observando e sentindo a velocidade com que se derretiam e viravam água ao cair sobre o meu casaco preto.

Molhando a minha cara desses sutis dançarinos de gelo, que flutuavam pela noite e me provocaram um sorriso interminável.

Lembrei me de Gabriel Garcia Marquez.

Foi a primeira vez que vi o gelo. E foi mágico, silencioso e feliz.

28 outubro, 2008

Declaração

Amo loucamente esse seu jeito manso, que chega sem fazer barulho, essa aura de sensibilidade e poesia que cria em torno de si todo um ar de bondade e inocência. Amo loucamente seu jeito de me olhar nos olhos e dizer calmamente o porquê da louça não lavada ou da cama mal feita.
Amo loucamente seu silêncio pelas manhãs enquanto prepara, diariamente, nosso café.

Amo loucamente sua timidez, as palavras que saem por lábios quase fechados e preguiçosos em formar o desenho do som da letra.

Amo loucamente quando me dá todas as direções e tempo de viagem em Londres, quando me responde a toda e qualquer questão de conhecimentos gerais e as vezes bem específicos. Amo que seja tão inteligente, sabido e minha "enciclopédia".

Amo quando estamos dentro do metrô e toda e qualquer criança pára e fica por horas a te olhar. Elas devem também perceber sua aura de bondade.

Amo doida e malucamente quando se entusiasma com um assunto e aumenta o tom de voz e acelera as palavras, quando me explica o francês, o inglês e o espanhol. Quando me mostra os filmes de arte e as populares séries de tv americana.

Amo seu cheiro pela manhã, seus pijamas e seu modo sitemático de catalogar suas revistinhas e os livros na estante. Sua sede de conhecimento, amo que você leia sobre tudo e qualquer coisa.

Amo contar-lhe todos os meus segredos, medos e descobertas. Acreditar de modo incontestável quando você diz que está tudo bem, aceitar todos os seus conselhos, receber das suas mãos o remédio para a dor de cabeça, o mel pra garganta e o chá para o frio.

Amo saber que um dia teremos um (ou mais) filho juntos.

Amo tanto, tanto, que tenho que parar com as palavras. Daqui vamos até o infinito.

27 outubro, 2008

E é por isso que amo Clarice

"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas o que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma realidade inventada"

Água Viva

É por isso que amo Artaud

"As palavras pouco falam ao espírito; a extensão e os objetos falam;as imagens novas falam, mesmo que feitas com palavras.Mas o espaço atroador de imagens, repleto de sons, também fala, se soubermos de vez em quando arrumar extensões suficientes de espaço mobiliadas de silêncio e imobilidade."

O Teatro e seu Duplo

26 outubro, 2008

Nostalgia

Conforme estou envelhecendo estou me aproximando ainda mais da minha família. Morar nessa terra distante faz com que eu me emocione muito quando encontro fotografias dos meus amores, e mais ainda quando elas aparecem amassadas, desbotadas. Trazem o cheiro da infância, lembram-me do que as vezes me esqueço e até me surpreendo de como eu era em determinada época.

Se reconhecer em um retrato velho é sempre uma experiência única, que pode durar segundos ou ainda horas. 

E é bom bater o olho e pensar sobre o que pensávamos, onde estávamos e aonde viemos parar. Achei essa no orkut da minha prima amada Amanda, e a legenda que ela colocou confirma o que pensei.

A Branca, a mais baixa na foto, é minha irmã que se forma em ciência da computação, Popo minha prima é bailarina e eu sou atriz. 
Nossos sonhos, com certeza, continuam os mesmos. No fundo no fundo só pretendemos que os renovamos.




25 outubro, 2008

Ausência

Saramago em seu livro "O ano da morte de Ricardo Reis" diz que a cura da morte equivale à gestação da vida, que são necessários 9 meses para ambos, para nos formarmos dentro do útero e para a dor da perda se transformar em uma ausência não tão dolorida. Faz essa brincadeira com os números do tempo e com o que poderia ser a ausência e a presença.

Como se a morte fosse dada como um suposto fim somente após 9 meses quando as atividades diárias tomam sua velocidade normal e aquele que se foi fica como lembrança carinhosa de história já contada. 

A dimensão do tempo da dor é algo que me escapa. Assim como a dimensão da ausência.

Como defesa e  egoísmo, pois o somos e de modo nem sempre perjorativo, pisamos no acelerador da rotina e maquiamos a falta que não é ausência até que a dor desapareça e ela se faça de fato.

Eu ainda não tive uma perda muito grande na minha vida. Minhas avós se foram quando eu ainda não conseguia relacionar perda com morte e morte com vida ou o que seja, e me lembro muito pouco de uma delas porque a outra se foi quando eu ainda não existia. 

Mas leio muito o Para Francisco, quero comprar o livro. 

O mundo não pára um só segundo, e não temos a menor condição de pararmos e sentirmos cada perda alheia assim como cada nascimento. Paramos para as tragédias, e todos padecemos das perdas e renascimentos, todos muito próprios e nossos. Mas qual a medida da ausência, o que é senti-la? Quanto tempo será que leva para matarmos uma saudade, ou saudade foi criada para ser eterna?
Seria o silêncio uma saída para a dor ou seria ele uma maneira de senti-la?
Ando percebendo que importamos mais mesmo é para nós mesmos.

23 outubro, 2008

Vida curta

No meu primeiro ano de Londres e Lispa tive uma companheira nas longas viagens de ônibus após a escola. Morávamos no mesmo bairro, e estudávamos na mesma sala, por essa coincidência nos aproximamos. São as belezas das coincidências da vida, pois eu e ela provavelmente não teríamos tido tanta proximidade se não fosse esse o caso. Somos bem diferentes, nos vestimos diferente, temos uma história de vida absolutamente diferente, mas nos aproximamos, porque somos atrizes, humanas, colegas e morávamos praticamente na mesma rua.

Ela nasceu na Àfrica, mas seus pais são indianos, e ainda pequena veio para Oxford, na Inglaterra, onde cresceu e se naturalizou. Aos poucos fomos nos revelando uma a outra, durante a caminhada até o ponto de ônibus e durante a viagem. Mostrei a ela todos os meus medos, trocávamos idéias, sonhos. Eu ensinava a ela algumas palavras de português e ela, claro, me ensinava o inglês, que eu nada sabia. 

Achava gozado e admirava as surpresas que ela sempre me fazia, como descer do ônibus as pressas para ajudar uma senhora na cadeira de rodas a subir a rua íngrime, ou gritar dentro do trem para as pessoas se organizarem melhor no espaço e facilitarem a entra e saída dos outros.

Sempre ao se referir a uma pessoa ela terminava a sentença dizendo: "God bless her", o que significa Deus a abençoe, e quando comemos uma vez num restaurante chinês ela me revelou, "sempre que estou diante da minha comida penso no imenso número de pessoas que a fizeram, dos que plantaram aos que cozinharam, aos que venderam, e agradeço a todos." Confesso que achava gozado, curioso e bonito ao mesmo tempo. Por um bom tempo pude me aproximar dela e conhecer casos engraçados, tristes e belos.

Na última segunda feira recomeçaram as aulas no Lispa. O segundo ano. Agora moro do outro lado da cidade. Abracei muitos colegas, foi ótimo voltar. Mas um engasgo ficou e ainda está.

Nesse mesmo dia recebemos a notícia que a minha colega indiana-africana-inglesa não estará conosco nessa segunda parte da viagem. Sua caminhada tomou novos rumos.

Ela está com cancêr no cerébro, quatro tumores foram encontrados, e quando escrevo essa palavra e somente por escrevê-la vem o peso que lhe cabe e que me estremece.

Dizem que é terminal, coisa de um ano a mais de vida.

Ainda não falei com ela.

Não sei o que falar. Fica o silêncio.

As aulas continuam, as gargalhadas, as descobertas. O dia a dia continua. Talvez por defesa ninguém toca no assunto. Em algum lugar ela se faz presente naquela sala, ora some, ora aparece. Mas está ali. Um pouco dela fica comigo, não se perde. O Thomas nos deu a notícia e após um longo e dolorido suspiro desabafou, "É...a vida é um presente, há que desfrutar-se como se fosse o último segundo".

21 outubro, 2008

Celebrar ser!!!

O ser humano eh, sem duvida, algo fascinante. Ser humano, logicamente eh ainda mais. E conviver com pessoas extremamente humanas eh o que nos faz ainda mais humanos e apaixonados por ser e por esse ser que o eh, de corpo e alma. Que nao contem as lagrimas, que nao esconde a verdade. Que escolheu a transparencia para o seu ser humano. Que quis ser mae e eh desse modo inteira, imensa, totalmente entregue a essa arte que a consome e a faz e refaz.Porque decidiu ser humana, ser amor.

Hoje a mae do meu marido, minha sogra, celebra seu aniversario. Rosani eh uma pessoa que me ensina muito o que eh ser humano, o que eh ser humana, o que eh ser amor. Ainda bem. Me ensina por ela, me ensina pelo Leo, e aos poucos por seus outros filhos e pelo Edmar. Hoje celebra-se o nascimento de alguem que nao hesitou em optar por ser toda a verdade de ser.

Rosani (desculpe, o teclado nao tem acentos)
Felicidades, muita saude, e muitos, muitos, muitos anos de vida, que nos e os que ainda virao merecem estar perto de ti para receber e aprender com esse amor e essa sinceridade que carregas!
Com amor,

16 outubro, 2008

A Pergunta

Uma pergunta ecoa em minha mente, sem parar:

- E depois, em que porta bater?

Quando a resposta deve ser dada por outra pergunta:

- E depois, que porta abrir?

Eis o dilema da minha profissao.

13 outubro, 2008

Domingo

Ontem fez dia de verao. Clarice Lispector narrou com sua poesia do ser e sentir o cair das folhas amarelas de outono nessa cidade inglesa, com tanta gente colorida. Deitada no banco da pra;a vizinha a minha nova casa, me embebi da poesia de Clarice, do sol europeu. Me distrai e ri sozinha dos pequenos que corriam para o coreto segurando uma bola, e a unica diversao que lhes cabia era lan;a-la ao espa;o, o pai buscava, eles lan;avam novamente.

Veio o desejo do filho, e me peguei, nao sei porque, imaginando meu sogro a segurar a bola para o neto. Desejo guardado.

Em alguns anos, se realizara.

Por ora, so desejo.

Por ora, so a palavra. A minha e a de Clarice que junto com o sol salvou meu domingo, o fez sem tantos ecos e mais ressonancias de sonhos e amor,

11 outubro, 2008

Nova casa

Londres tem tido dias de sol forte e quente (!!!) e ceu azul, azul, azul. Uma delicia. Ainda estamos sem internet na nova casa, e por isso tenho que escrever em um teclado sem pontua;oes, pe;o lhes desculpas desde ja.

Nos mudamos para uma area um pouco mais afastada, mas com facil acesso para todos os lugares, com pra;a com chafariz, cozinha grande, quarto enorme, com direito a pequena salinha, banheiro grande tambem.

No dia em que arrumavamos nossas coisas na nova casa me bateu uma saudade muito grande dos meus pais, dos meus irmaos...de todos. Acho que foi a sensa;ao de se fechar um ciclo, de se come;ar algo em nova moradia. Quando isso acontece a casa da alma saculeja, e fa;o questao de que seja assim. Sentindo.
De toda forma eh bom ter mais espa;o...Ate para encontrar os silencios.

06 outubro, 2008

Espontâneo


Queria saber porque que quando o Biel boceja parece que vai engolir o mundo.

E porque, depois de velhos, censuramos nossos bocejos e nunca mais esticamos com tanta frequência e facilidade todos esses músculos da cara.

Censuramos nossa espontaneidade. Só espero que o apetite de mundo, no melhor sentido cristão, esteja, em todos, guardado em algum lugar.

05 outubro, 2008

sobre fadas e bruxas

Quando eu era criança tinha toda aquela fantasia com fadas, das triviais às originais- como a dos grãos de poeira refletindo na luz serem fadinhas. Adorava a fada dos dentes, que me deixava presentes embaixo do travesseiro, lembro que passei a questionar essa fada quando os presentes passaram a vir com muitos recados educativos do tipo "sempre saiba dividir suas coisas com seus irmãos". Humm, isso não era coisa de fada mas de mãe que adora que os filhos acreditem em fadas e não perde o gancho pedagógico.

Quando criança tinha medo das bruxas e adorava as fadas, acho que o fato delas vestirem azul ajudava bastante, pois até hoje adoro azul. Agora crescida entendo que bruxas são fadas e fadas são bruxas, e me auto denomino bruxa muitas vezes, que é o resumo que encontro para as bruxas e fadas que vivem em nós. Me chamo bruxa, ou bruxinha, porque adivinho muita coisa, sou adivinhona sem intenção e converso com a natureza, e acredito nela e em nós como parte dela, enfim. Talvez me qualifique bruxa e não fada porque quando algo inesperado acontece eu penso que foi minha bruxaria que atraiu a fada, e não a bruxaria que fez acontecer. Complexo e metafórico mas nem tanto...

Fato é que ontem eu Leo ganhamos um presente de fadas. Juro.

Há três dias procurávamos uma casa pra nós aqui em Londres. Primeiro cismamos com uma area pela qual nos apaixonamos e aí olhamos, olhamos, e nada; ontem um senhor de barba e cabelos brancos nos abre a porta de uma casinha...uma casinha...toda decorada, limpinha, cheirosa, com tudo novinho, com espaço, janela e cores.

Foi uma varinha de condão em algum lugar que fez tilintintin...e lá estava.

Ao voltar do trabalho para casa ontem a noite, chovia, olhei para o céu, deixei os pingos caírem e pensei: eu sempre acredito, e acredito até o fim, e sempre até o fim é tudo como tem que ser, muito obrigado por só me dar razões para continuar a acreditar.

Era meu lado bruxa agradecendo o lado fada.