30 dezembro, 2010

2010

2010 foi o ano que fui ao centro da Terra e da terra. Ao mais profundo de mim mesma, que realizei o desejo, antes pensado na escola de teatro em Londres, de descer à raiz da árvore e subi-la devorando-a em sua escência. Foi o ano em que questionei Deus, busquei a mim, e não encontrei respostas, mas a certeza da busca constante por paz. Ano que se fez em mim a vida, que de mim brotou novo ser, Manuela. Ano em que me assumi como mulher e neguei analgésicos para a vida, para meu corpo, para meu parto e para o parto de Manuela. Me rasguei de dentro pra fora e não de fora pra dentro e me vi eterna em dois pequenos olhos rasgados e azuis. Azuis por mistério genético e da vida, brilhantes como sol e doces como a chuva que caiu no dia de seu nascimento.
Esse ano deixei pra trás sonhos individuais, planos profissionais, vi meus amigos colherem lindos frutos após os estudos em Londres e eu, como disse minha mãe, fiz a minha mais perfeita obra de arte.
Para 2011 desejo saltar do alto dessa árvore que subi e engoli ao mesmo tempo, deixar meu corpo no ar, sentir deus nas brisas suaves, no alento do meu marido e nos olhos da minha filha. Filha que me trouxe o budismo, a antroposofia, e eu mesma.
2010: O ano em que fui até a raiz de mim mesma e subi aos céus.
Obrigada Leo, mãe, pai, irmãos, amigos, Daphne, Mariana, sogros, cunhados, todos aqueles que me cercaram de amor, e...
minha linda luz Manuela.

01 dezembro, 2010

o avesso

Quando parimos um ser o nosso corpo vira do avesso, não só se abre mas se contorce e se dobra, mostramos nossas "feiuras", nosso sexo, nosso odor, gritamos muito, mas não de dor, e sim de paixão, porque algo lá embaixo, queima, arde, pulsa, e algo na boca do estômago congela. A barriga se aperta, e seu filho, esse ser que se formou e se fez ser humano dentro de você, te ajuda.Quando sai é um alívio, mas não porque sofria logo antes, mas sim porque algo se concretiza, uma missão se completa. É como passar sim por um portal, chegar à ponta do arco-íris, e lá estava aquele famoso pote de ouro. Esse pote de ouro tem olhos, olhos singulares, e olha tudo ao redor, é escorregadio, é pequeno mas tão humano que sua intensidade pulsa, vibra e enche o espaço, é único.
Minha Manuela olhou tudo ao redor em silêncio e seu olhar...seu olhar era ela. E ela é única. Ali, naquele instante que gritamos e nos apertamos juntas deixamos para sempre de sermos duas em um corpo e nos realizamos dois seres. E ela nasceu aquilo que será até seu último suspiro. O último... O primeiro suspiro, a primeira tragada de ar e o primeiro olhar foram ainda junto ao meu peito, deitada na minha barriga, agora vazia, o avesso novamente escondido, nunca mais esquecido. Ela era única e eu nunca mais a mesma.
O vazio não me torturou, não tive melancolia e confesso uma saudade deliciosa de quando a barriga era pesada, mas senti cada segundo de seu esvaziamento, senti cada pedrinha do caminho rumo ao outro lado do arco íris, fui mulher inteira, em dobro, dobrada, rasgada e aberta mas pura e simplesmente pela força natural do meu corpo.
Hoje a única Manuela se mostra, se revela, tem olhos dourados e abertos, ontem se virou pela primeira vez, não do avesso, ainda não, mas rolou na minha perna e eu aprecio cada momento. Agora que vi meu avesso e me multipliquei digo que posso voar, porque sou feia, inteira e bela. E, não posso deixar de dizer, eterna.