27 julho, 2009

Lispa


Fazemos teatro, então gostamos do ritual. E como não poderia deixar de ser a despedida da minha turma, no dia em que recebemos o diploma, foi feita com um belíssimo ritual, que os meninos da turma que sucede a nossa preparou. Além de massagens, frutas, de me jogar de uma altura de costas para ser carregada por eles, fiquei com meus colegas de turma, amigos, na beira do canal que tem na escola. Ali começou a chover, chover muito, e a chuva caiu quando os meninos do primeiro ano cantavam "aproveite a chuva", em mais uma dessas sincronias loucas da gente com a natureza. A chuva caia, caia, estávamos com venda nos olhos. Quando recebi uma flor, tirei a venda, e vi todos aqueles que nos ofertavam o ritual a fazer um dos 20 movimentos que aprendemos na escola, o mais bonito deles, o de remar. Joguei a flor no canal, jogamos. A chuva se confundia com as lágrimas, já não as distinguia mais. A paz era profunda. Nessa escola entrei dentro de mim, e me vi. Hoje tenho os mesmos fantasmas, mas dialogo com eles, a gente conversa. Na busca da artista que sou me vi ali, a mulher que sou, ou tenho sido, o que carrego comigo e o que levarei de agora.
Repito palavras de colegas "a mais intensa experiência da minha vida", e arrisco dizer a mais bela.

Por Marisa

Meu marido me mostrou essa música outro dia, "Amor já ouviu essa música...em alguns momentos me lembro de você".

26 julho, 2009

O gesto e a delicadeza

Uma delícia ter uma linda colega francesa chamada Marie. Delicia ainda maior é vê-la em cena com seus grandes olhos e aquele idioma tão charmoso, oh deus como acho lindo o francês. Mas ainda mais saboroso foi vê-la em seu projeto final na escola, ela e Elayce, inglesa, em uma frase de movimento toda centrada na sutileza, doçura e especificidade do gesto. Foi lindo e delicioso de se ver, assim que tiver fotos as coloco aqui. A música logo abaixo, com seu cantor, se quiser feche os olhos e imagine o que pode ter sido que essa linda dupla de atrizes levou para o palco. Ah! Como é linda a poesia! Quem é que disse que precisamos de questões super elaboradas, precisamos é fazer poesia e levar a platéia conosco nesse voo de beleza e sutileza. Merci Marie!!!

Rosa

Meu lado cor de rosa é bem forte. Não só pela capa do meu celular, pelas tiaras de laço de fita que tenho no armário e as outras coisinhas pequeninas espalhadas pela minha casa, que mesmo não rosa se encaixam perfeitamente nesse universo cor de rosa. Então as vezes fico horas navegando por blogs cor de rosa e me delicio, exercendo um lado fútil, pessoal, cor de rosa e todo meu. Hoje descobri esse blog e deixo aqui para dividir com colegas que adoram um rosa e um lilás de vez em quando. Acho que se não fosse atriz poderia trabalhar com moda ou design, pois adoro esses blogs!!! Principalmente os do mundo rosa (risos).

Fantasmas

Tenho visto fantasmas. Nos meus sonhos fantasmas que eu poderia conhecer me visitam, entre o sono e o abrir dos olhos vejo silhuetas desenhadas no espaço e é sempre com a sensação de paz que as vejo. Não sei se são fantasmas do além, não sei nem se eles existem, mas eles acompanham essa transição louca que acontece dentro de mim.
De repente esses fantasmas são fantasmas de mim, vestidos de outras pessoas. Tenho sonhado muito com crianças também, eu, segurando um bebê pesado. Essa noite sonhei com uma criança que só conheço por fotos, e era ela mesma, esperta, inteligente e alegre. Como não a conheço pessoalmente não sei se essa é sua verdadeira personalidade, talvez seja mais uma vez um lado meu ou que queria ser sendo fantasma. Sonhei também que arrancava cacos de vidro do meu pé, e era só eu quem poderia fazer, repleta de aflição os arrancava da carne aberta, em diferentes pontos do meu pé, doía e em segundos todos os buracos estavam fechados, com pequenas marcas que por certo em breve desapareceriam, a dor também sumiu.
E acordo sempre com essa sensação de uma tristeza alegre. Talvez frutos de quem anda vendo fantasmas ou de quem em breve vai encher as malas, rumo à sua casa, ao lugar que nasceu e em que primeiro sentiu cheiros e viu cores, para começar do zero.
Talvez aí os fantasmas e as crianças ganhem novas formas, mas eles estão aqui, nos meus sonhos, e sabe se deus se de fato me visitam. De toda forma são bons fantasmas. Sempre alguém querido, ou que ama meu marido de forma profunda, ou simplesmente uma criança de cachos dourados alegre e falante que alegra meu sonho sempre cheio de escadas e mar. Mais uma vez me pergunto, serão eles desculpas e farsas de mim, ou serão eles realmente fantasmas? E onde será que tudo isso se encontra.

24 julho, 2009

O deus

Há algum tempo li O Evangelho Segundo Jesus Cristo, do Saramago e ele está sem dúvida entre meus livros favoritos, ainda me lembro dos arrepios e dos olhos ardidos de emoção ao ler tanta poesia sobre a vida e nós, seres humanos, através de um olhar específico sobre a vida de Jesus. Me digo sem religião. Me digo Cristã, porque creio em Cristo. Mas se perguntar me em quê de verdade acredito, entre divagações sobre o universo, nossa conexão com a natureza e um deus indizível que faz parte de nós e da imensidão do céu e das águas, vou dizer-te que acredito nisso. Acredito nas palavras de Saramago, no amor, e na potencialidade da poesia e do modo de olhar vida, para que a pedra nunca seja vista como somente uma pedra, bem diria Adélia Prado. Obrigada Saramago, mais uma vez. Deliciem-se com suas palavras e com nosso deus infinito de amor, que está dentro de nós e é o que nos faz atingir o céu, sendo como parte dele, sem pecados, sem cruz, apenas por essa vida repleta de erros, acertos, dor e amor.Nos condicionamos a sermos pecadores, e ao senso de que na vida é preciso o sofrimento para se afortunar, a jogar pedras aos outros e a nós mesmo e temer terrivelmente o fim, a morte, Deus e o julgamento.Esse culto, daquele ser de luz na cruz, despedaçado e ensanguentado, sempre foi para mim curioso e dolorido por demais. Cultivo sua imagem de amor, do pão repartido, do sorriso e da doação. Do amor e do perdão. Das feridas que curou, e assim cultivo minhas feridas não como penitência, mas apenas como calos do caminho. A vida é maior que tudo e pecar sem sofrer é fundamental, desde que haja amor sobre todas as coisas.

21 julho, 2009

O sapato e o tempo

Hoje me perdi pelas ruas e me sentei em um brechó na parte de sapatos. Cercada de sapatos cheirando a mofo vi as pessoas estilosas do leste de Londres a passar. A chuva que caia e as poças que se acumulavam. Acho que sentei para sentir o tempo que passou, antes mesmo dele passar.
Hoje sentei em meio a sapatos velhos. E a vontade era de chorar.

20 julho, 2009

...

No Brasil faz agora um inverno de 30 graus e por aqui um verão chuvoso de 20. Conversando com uma amiga que mora no Mato Grosso temporariamente descobri que lá, neste inverno tropical, fez 35 graus! E ela me disse "você deve ter conhecido aí o inverno de desenho animado". Sim. Conheci. Enfiei o pé na neve e vi o céu branco e silencioso. E estou me despedindo de tantas coisas e pessoas. E ainda não consigo falar sobre isso. Estou com dor.E com um diploma no armário. E com uma alma reluzente. Quando a dor passar conto aqui como tem sido tudo isso.

10 julho, 2009

O redondo

Há três anos atrás eu escrevia sobre uma cidade redonda e criava três personagens.
Há dois anos (quase) vim para Londres. Na mesma época em que criei essa cidade redonda recebi também o convite de vir estudar teatro aqui. A cidade nascia no momento em que a minha própria vida girava, girava ruma ao desconhecido e esse desconhecido foi um mar profundo em que mergulhei até o último fio de cabelo. Moro em Londres mas morei mesmo foi na Lispa, minha escola, pela qual tive que dedicar todos os dias da semana, muitas horas por dia, sendo parte enorme da minha vida.
Foi então que adentrei "florestas, subi montanhas, atravessei rios, vi o por do sol no desertos". Ainda me lembro de um exercício em que a única imagem em que tinha a minha frente era uma enorme árvore da qual fazia parte, e que eu a subia num folêgo só querendo devorá-la pela raiz.
Sim essa sou. Uma devoradora de tudo, sagaz pelas alturas, ansiosa, agitada, mas sobretudo querendo atravessar a terra para comer pela raiz. E esses dois anos de Londres, e, mais que tudo, de Lispa me mostraram isso.
Ontem foi o dia de eu concluir parte importante dessa jornada e foi aí que voltei à cidade. A cidade redonda, aquela que nascia junto com o início dessa viagem. E dei lhe vida, e dei vida aos personagens, apresentando a como meu projeto final na escola. Enchi o palco de simbolismos para cada casa de cada habitante, e narrei os momentos em que ainda a palavra se faz importante.
Foi lindo.
As pessoas adoraram, me abraçaram, se emocionaram. E recebi o último retorno dos professores que elogiaram muitíssimo o texto, as metáforas e muito a minha presença em cena, com ressalvas para o meio da cena, das quais eu tinha plena consciência, afinal, esse é um projeto para ser desenvolvido.
Os três personagens ganharam vida pelas mãos de atores que possuíam grande parte da metáfora que encenavam, como se eu houvesse escrito para eles. E quem sabe não foi...
Acho que não entendemos tanto o quanto giramos e aonde paramos, mas sei que sim, sempre voltamos para começar de novo.
Então, foi lá que comecei algo, na cidade redonda que escrevia e fecho a ponta do círculo a vendo viva e linda no palco, acolhida com amor pela platéia. E agora...
Por ora estou deixando que ela gire assim, em sua velocidade calma, sei que é hora de recomeçar de novo.