09 janeiro, 2013

Carta para o Professor

Eu bem sei que aí não tem computadores, internet. Como sei que mesmo quando tudo era terreno para você não lhe era costumeiro checar emails e frequentar blogs. Mas minha alma hoje borbulhou dentro de mim e eu precisava lhe escrever. Escrevo para mim mesma, para os que me leem, mas o desabafo conforta e a doce ilusão de que com o senhor converso agora acalma a saudade, abranda as lágrimas.

Eu e Paula conversávamos. Ela fará Pedagogia, na Uni Rio, segue grávida de Francisco. O Chiquinho que você chamava na minha barriga veio na dela. Eu estou cercada de livros. Esse ano começo a lecionar português a crianças de onze anos.

Sim. Duas de nós. Educadoras. Eu me sinto tão entusiasmada que, ao ler os livros, ao deparar me com pensamentos e orientações para a formação de leitores, escritores, cidadãos críticos, pessoas de opinião, transformadores sociais, preciso pausar a leitura para conter o entusiasmo. Entusiasmo desse fazer tão belo, artesanal e profundo. E disse a Paula que queria poder lhe contar e dividir com você minha alegria, expectativa e desafio. E ela disse que você sabia. E que era vivo em nós.

Lembrei me então do dia em que me contou que o dia mais feliz da sua vida foi quando entrou na sua escola, escola que você fundou com suor e amor. E que ao olhar para o pátio sentiu uma alegria tranquila, dessas que se dão pela certeza de estar no lugar certo.

Das suas conversas com Manuel Bandeira, da sua amizade com Manoel de Barros e Helio Oiticica. Da alfabetização para adultos humildes que você realizou até os mais de noventa anos de idade. Do dia que, sentado à cadeira de sua casa, me confessou: ensinar a ler e escrever é só o começo, o que faço nessas aulas é dar noções de cidadania a esses trabalhadores, que tem as mãos calejadas, porque quando crianças ganharam uma enxada ao invés de lápis e caderno.

O que seria então ser um professor? O senhor tinha a alma de um. E deixou "farelinhos" dessa estrela, que a vida se encarrega aos poucos de mostrar. Nunca imaginei que seria professora de português e no entanto me vejo como o senhor, orientadora e parceira de seres humanos.

A Paula disse que você é vivo. Em mim. Nela. Na Manuela. Que basta olhar, e dá até para tocar.

Disse que agora vai abrir com ela uma escola. Posso ver os passos dela pisando no pátio, segurando Francisco pela mão, olhando ao redor e sentindo o seu cheiro, para que ali prossiga seu legado.

E eu morro de saudades. De sua voz rouca a me dizer; então vá ler Julietinha porque ensinar Português é coisa séria.
E eu morro de gratidão. Gratidão eterna, por ser sua neta vô.