26 maio, 2016

Sobre a menina violentada, sobre meus filhos, sobre o amor.

Filha e filho Hoje é um dia estranho. Recebi notícia triste, de uma garota de 17 anos que teve seu corpo violado, dilacerado, exposto, massacrado. Passei o dia com um nó na garganta, refletindo sobre estatísticas, dores e desafios de estar nesse mundo, enquanto vocês corriam pela praça em busca de cavalos e pombos. Ao som das declarações de amores proferidas e trocadas por vocês tentei me conectar com a doçura e esperança de renovação da vida; orei ao meu modo pela garota. Olhei para vocês. Um homem e uma mulher. Eis o que trouxe para o mundo e sei que a transformação que quero ver no mundo passa muito pelas pequenas revoluções que posso provocar em vocês. Então fiz e faço desejos; para a Manu desejo braços fortes, punhos firmes e a certeza de que ela pertence unicamente a si, desejo que você minha filha, se perca em devaneios românticos, mas nunca de seu corpo, faça dele o que bem entender, com a cautela, cuidado e amor que esse templo sagrado merece. Não deixe que te façam menor, porque você é gigante, não deixe que lhe digam que é frágil pois é dotada de enorme fortaleza e ande sempre ao lado dos que lhe inspiram beleza, doçura e respeito. Para Henrique desejo um pote de mel, uma doçura suave, ternura e compaixão, que você, filho meu, conserve esse jeito manso com que pega sua irmã pela mão e ao olhar em seus olhos lhe confessa amor eterno. Que você meu filho chore sempre lágrimas sinceras, use as cores e cortes de cabelo que gosta e peça sempre licença para tocar e amar o outro. Tenho fé no mundo, apesar de tudo, apesar de ter hoje voltado em minha adolescência, em minha infância, no primeiro beijo seguido de mãos rápidas e desrespeitosas, dos homens que atropelaram meus sonhos de amor perfeito com sua brutalidade e egoísmo, das cantadas na rua, dos assédios nos banheiros e até em recantos familiares. Fui até a periferia, fui até a garota e me abstive de tocar em sua tragédia com imagens pensadas, eu não consigo chegar lá, fui até sua mãe e às mães de tantas negras de periferia que são mortas. Viajei pelas publicidades, pelos corpos expostos como pedaços de carne, pelos dizeres "essa é para casar" ou "com minha filha não", pela ilegalidade do aborto e suas tantas mortes causadas, pela luta por parir, pela violência diária nos olhares, nas palavras, nos silêncios. Mas depois voltei para vocês meus filhos e vocês corriam pela praça, então lhes enviei esses desejos. Para Manuela firmeza, para o Henrique doçura. E para todos nós, mais amor.