09 agosto, 2014

O pai Leo

Ela corre em sua direção de um jeito único e quase secreto, reservado aos dois, entrelaça suas mãos em volta de seu pescoço. E com olhar aguçado e animado vai até a janela dar boa noite aos lixeiros. Minha filha e meu marido possuem um mundo só deles. Permeado de bancas de jornais, histórias de dragões, venenos, quadrinhos, bichinhos e, sim, lixeiros, que docemente gritam: tchau neném. Não me esqueço a noite que antecedia a véspera de Natal, quando os dois sumiram e ao olhar pela janela os vi lá na esquina da minha rua, Manuela segurava animadíssima uma nota de 50 reais para a caixinha de Natal dos lixeiros. Era parte do mundo deles, é parte do segredo dos dois. Lembro-me que quando ela nasceu só me lembrei de beijá-la e que, seu pai, lembrou-se do carinho que Leboyer disse em seu livro, de, em ondas, massagear as costas do recém nascido. Foi com ele que ela foi a primeira vez ao dentista e depois passaram em uma banca de revistas (claro) para comprarem figurinhas que ela adora, é com ele que ela assiste a filmes clássicos como Luzes da Cidade, do Chaplin e Cantando na Chuva. Ele é o pai doce, de fala mansa, ele é o pai amigo, não a autoridade. Certo dia lhe disse: quando Manuela estiver fazendo pirraça segure seus braços, olhe nos seus olhos e diga bravo: pare! E ele, pensativo, concluiu e me disse: não sei ser um pai assim. Ele sabe ser o pai que sabe ser. O homem que é. Um homem generoso. Em seu mundo secreto com seus filhos guarda pequenas canções, sutis doçuras cotidianas. É ele quem muitas vezes acalma uma dor de barriga do caçula, Henrique. É com ele que o pequenino vai ao trocador todas as manhãs. Ficam lá por um tempo quase em silêncio e Henrique sai pronto, seco e de nariz desentupido. Ele é o responsável por me entregar Manuela com roupa descombinada, de estômago vazio, sono e risada faceira. Ele é o responsável por tantas vezes dizer: esqueci. E me mostrar que sim, está tudo bem mesmo assim. Meu companheiro e grande amigo é o parceiro das fantasias da minha filha e da paz do meu bebê. Esse pai, é o papai Leo, magrinho e tímido. Doce e querido. Um papai tão amado que sua filha quis antecipar o dia dos pais para Sábado. Chegou ao meu quarto e fechando a porta pediu-me que lhe arrumasse, rápido, antes que ele a visse. Colocou tiara de flor e vestido de festa, rasbicou cartão e segurou a sacola do presente e de longe eu a ouvi dizendo: Papai foi ótima a ideia de termos comprado figurinhas depois do dentista, eu adorei! Feliz dia dos pais! E lhe entregou o par de sapatos que eu havia comprado. De batom vermelho e borrado deu-lhe o beijo amado e no modo secreto e silencioso dos dois disseram em pensamento: te amo. E, obrigada.