21 julho, 2013

Um desmame de luz. O desmame em que nada fiz. O desmame que foi simplesmente o desmame.

Como caminhamos até aqui. O primeiro contato de Manuela com o mundo foi com a boca ao meu seio. Saiu de dentro de mim e veio diretamente para os meus braços, nos deitamos e, com o cordão ainda pulsando, lambeu, cheirou e pegou meu seio. Intercalava seu choro de recém- nascida com abocanhadas ao meu seio, até que o choro mesmo acabou e só restou o peito, por mais de uma hora.
E esse primeiro contato com o mundo se tornou rapidamente seu maior referencial na relação comigo e com os outros e com a vida. Era no meu seio que os tombos e os sustos se curavam. Era no meu seio que o sono chegava, e do sono acordava. Foi batizada no meu seio, cochilando, não a quis acordar tão pouco tirá-la do seu mamá. Fez de chupeta como diriam alguns, fez de alimento, fez de conexão com o desconhecido.
Sempre com a pega perfeita não permitiu que eu tivesse as questões que atormentam algumas mães, como rachaduras no bico do seio. Mas tivemos sim pedras no caminho. Sempre magrinha ganhou quase nada de peso a partir do terceiro mês, aí tinham aqueles que sempre questionam: não seria seu leite? Mas meu coração nunca me enganou e aquele nenem magrelo, mamão, sorridente e acordado não poderia estar passando fome, nem estar doente. Tive a sorte de uma pediatra contra fórmulas, suplementos e vitaminas caso o bebê esteja clinicamente bem, então seguimos até seis meses com aleitamento exclusivo. Eu, ela e nosso seio. Até comercial fizemos, em que ela, linda, me olha profundamente e abocanha seu alimento e seu referencial de vida, amor e mundo.
Ouve-se muita coisa quando se é mãe. Imagina eu? Com uma menina tão esperta, tagarela e cheia de energia, que, aos dois anos, puxava minha blusa e agarrava meu seio sem pudores. Eu nunca tive nem disse a ela que deveríamos ter pudor com isso. Seguimos nosso caminho. Doenças? Duas viroses, dessas um resfriado forte quando entrou na escola e uma inócua, eruptiva. Febres? Duas. Amor? Muito.
Dias de sofrimento e cansaço? Vários. Muitas vezes queria que alguém viesse sim substituir meu seio. Quantas noites depois de mamar todo o leite não começou a enrolar ali, sem dormir e eu exausta gritei de desespero. Mas nunca foi o suficiente para tirar-lhe. Meu coração dizia que eu não devia. E eu tinha sim, muitos momentos de prazer quando Manuela se aninhava e aquele pouco de leite que restava descia. E ela enorme com os pés para fora do meu colo mamava com prazer e silêncio. Era uma reconexão nossa com o mistério que nos fez mãe e filha.
Até o dia 14 de Julho de 2013. Quando minha filha, aos dois anos e dez meses, espontaneamente me disse que havia crescido. E que aquele seria o último dia do mamá. Disse que quando isso acontece há fogos e sacudiu suas mãos no ar. Deu tchau, verbalmente: tchau, mamá. E mamou. Largou. Voltou. Repetiu: mamãe é a última vez então vou mamar mais um pouco. Ao que lhe disse: filha se é a última vez você deve mamar muito.
E então começou a se dividir entre o hábito, entre o fato de ser essa, até então, sua referência mais forte e única na relação comigo e o fato de que ela havia sim entendido que crescera. E não fui eu quem lhe contou. Seu eu tivesse lhe contado ela não saberia, mas foi ela quem soube e me contou.
O hábito foi diluindo, diluindo. Eu disse: filha, agora nós vamos entender a nova forma. E estamos entendendo. Acaba de dormir seu cochilo da tarde. Se deitou, eu deitei junto, lhe fiz cosquinhas com a ponta dos dedos, cantarolei uma linda música e ela dormiu. Foi assim noite passada também. O mundo cresceu para ela. E o que é melhor, cresceu junto com ela.
Te amo Manuela, meu seio está guardado mas minha alma lhe pertence para sempre filha. Obrigada. E obrigada coração meu por me sussurrar tantas certezas bonitas.
Nosso comercial, seu olhar sempre foi o mesmo:
http://youtu.be/EF9pOch3lNg

19 maio, 2013

O pequeno botão de rosa



Era uma vez uma rosa amarela. Ela brotou num dia de sol sob a força da natureza e se mostrou vigorosa, esplendorosa. Ainda era botão, levemente fechado, que, ao soprar da brisa, se abria em pequenos pedaços e lentamente se fechava novamente, agasalhando-se em sono leve.
Sob a luz do sol se alimentava,se nutria e crescia.
Até que ao fim do décimo dia, o botão sentiu uma rajada de vento mais forte que habitual. Estremeceu-se em seus pequenos e frágeis espinhos e voo levemente, desprendendo-se da mãe roseira e caindo nas águas do rio.
A roseira se balançou com o movimento da filha que voava, e, ao som do vento forte e agudo que soprava, esticou seus galhos na direção do rio, que, ao soprar do vento rapidamente se agitou e carregou a pequena rosa amarela.

O vento soprava e o pequeno botão de rosa descia, e a roseira...a roseira chorava. E por ser roseira não era choro de gente, era choro de flor despedaçada. Ritimava com o sibiliar do vento o chacoalhar de suas folhas, galhos, e outras pequenas rosas que carregava em si.

A pequena rosa amarela absorveu-se pela água, encharcou-se do rio e desceu até sua margem.Boiou até o canto e em um pequeno pedaço de terra aterrou, ensopada, nem tão amarela, mas ainda botão.

Foi quando a roseira que gritava pelo chacoalhar de suas folhas silenciou-se.
Esperou o sol.
Rendeu-se à brisa e ao tempo.
E aos poucos algumas de suas folhas foram caindo no rio, descendo suas águas até chegarem à mesma margem em que descansava o tão pequeno botão de rosa amarela.

Os pedaços da mãe roseira boiaram por cima do pequeno botão, cobrindo-lhe de amor. E lhe secaram a água. Depois integraram-se a terra. Que se abriu em grande buraco. Foi então que a ponta do botão ao chão mergulhou.

E se alimentando da terra brotou novamente. Se abriu e cresceu. Frondosa e aberta para o sol.  

06 fevereiro, 2013

Uma breve história sobre o nascimento de Aurora

Aurora tinha sentido de luz. Tocava nas manhãs. Chegou com calma, recebeu colo de quem, chamada de Helena, se apresentava irmã.
Aurora era sim a luz da manhã, uma luz rara e única, como são os seres recém chegados. Então um fio de luz e um fio de vida rapidamente se revelou. Uma infecção. Um susto. Um temor.
O sussurro e a explicação do que acontecia para Aurora se cantou. Seus dedos pequenos esticados e duvidosos foram amparados com amor.
A mãe que de ser mãe já se sabia, chorou choro de dor. Dor. Choro nunca antes ouvido, ruído que não se sabia, pavor que não se somava a letra, que não tinha sentido.
Aurora em silêncio também chorou, mas em paz devia estar. Ela acabara de chegar, ainda conversava com anjos que boiavam no teto, escondidos por detrás de lampadas hospitalares. Seu corpo chorava, mas sua alma sem dúvida era cuidada e em um silêncio misterioso boas palavras com esses anjinhos trocava.
Uma vez duvidaram da mãe, essa ciência que tanto duvida do que é de gente e de homem. E a mãe em silêncio dizia para si: dentro de mim carrego muitas respostas. Ela, que já descobrira e entendera o choro desconhecido, soube então ser leoa e sabiá, rugir e ao mesmo tempo cantar. E suavemente fingindo não saber que seu coração sabia mais que a ciência da Terra, propôs seu peito como alento.
Com boca devoradora de quem busca sua parte, a parte de si, Aurora mamou. O leite descia e as fartava, a ambas. Os médicos tiveram então que descansar os livros. Apenas ouvir com os olhos.
Então Aurora foi curada. E os tons azuis e rosados, amarelos profundos e belos de um renascer reluziram na palavra ALTA.
Aurora então nasceu.

09 janeiro, 2013

Carta para o Professor

Eu bem sei que aí não tem computadores, internet. Como sei que mesmo quando tudo era terreno para você não lhe era costumeiro checar emails e frequentar blogs. Mas minha alma hoje borbulhou dentro de mim e eu precisava lhe escrever. Escrevo para mim mesma, para os que me leem, mas o desabafo conforta e a doce ilusão de que com o senhor converso agora acalma a saudade, abranda as lágrimas.

Eu e Paula conversávamos. Ela fará Pedagogia, na Uni Rio, segue grávida de Francisco. O Chiquinho que você chamava na minha barriga veio na dela. Eu estou cercada de livros. Esse ano começo a lecionar português a crianças de onze anos.

Sim. Duas de nós. Educadoras. Eu me sinto tão entusiasmada que, ao ler os livros, ao deparar me com pensamentos e orientações para a formação de leitores, escritores, cidadãos críticos, pessoas de opinião, transformadores sociais, preciso pausar a leitura para conter o entusiasmo. Entusiasmo desse fazer tão belo, artesanal e profundo. E disse a Paula que queria poder lhe contar e dividir com você minha alegria, expectativa e desafio. E ela disse que você sabia. E que era vivo em nós.

Lembrei me então do dia em que me contou que o dia mais feliz da sua vida foi quando entrou na sua escola, escola que você fundou com suor e amor. E que ao olhar para o pátio sentiu uma alegria tranquila, dessas que se dão pela certeza de estar no lugar certo.

Das suas conversas com Manuel Bandeira, da sua amizade com Manoel de Barros e Helio Oiticica. Da alfabetização para adultos humildes que você realizou até os mais de noventa anos de idade. Do dia que, sentado à cadeira de sua casa, me confessou: ensinar a ler e escrever é só o começo, o que faço nessas aulas é dar noções de cidadania a esses trabalhadores, que tem as mãos calejadas, porque quando crianças ganharam uma enxada ao invés de lápis e caderno.

O que seria então ser um professor? O senhor tinha a alma de um. E deixou "farelinhos" dessa estrela, que a vida se encarrega aos poucos de mostrar. Nunca imaginei que seria professora de português e no entanto me vejo como o senhor, orientadora e parceira de seres humanos.

A Paula disse que você é vivo. Em mim. Nela. Na Manuela. Que basta olhar, e dá até para tocar.

Disse que agora vai abrir com ela uma escola. Posso ver os passos dela pisando no pátio, segurando Francisco pela mão, olhando ao redor e sentindo o seu cheiro, para que ali prossiga seu legado.

E eu morro de saudades. De sua voz rouca a me dizer; então vá ler Julietinha porque ensinar Português é coisa séria.
E eu morro de gratidão. Gratidão eterna, por ser sua neta vô.