30 junho, 2008

Artaud

Descobri Artaud. Sim, já o conhecia antes mas só o descobri agora.

E foi desses encontros mágicos, em que outro alguém diz suas palavras, e repete suas crenças e verbaliza seus impulsos. Foi um encontro intenso, um pouco parecido com os constantes encontros que tenho com Clarice. Inspirador. Artaud consegue tirar nosso folêgo sem estarmos fisicamente em movimento. Quanta intensidade. Sua dor na alma, a enfermidade da alma, a dor que cria poesia. A beleza do instante em que se sente. Artaud é incrível, quero mais, ele dá sede!

Preguiça

Estou muito cansada. Hoje só o que fiz foi olhar para a grama. Meu corpo preguiçoso, os olhos ardidos e aquele alívio imediato ao sentar me na grama e desistir de lutar contra mim mesma. O tempo voa, e eu ainda não fiz o que tinha que fazer. Estou me exaurindo com tantas lágrimas e por me jogar tão violentamente contra mim mesma.

O parque tem vários bebês, e sempre quando estou nesse confronto comigo mesma, de ter que jogar meu corpo contra a gravidade, olho para esses bebês e penso, e eles quais serão ou virão a ser teus medos?

29 junho, 2008

O sutil

Ontem a noite desci em Waterloo Station depois do trabalho. Ao descer em meio a várias pessoas com seus passos acelerados vi um homem negro,com blusa preta em desenhos vermelhos, corrente grande no pescoço. Olhar enfezado, semblante fechado, desses que olham nos olhos encarando, que lhe faz dar um certo passo para o lado para evitar que se esbarrem e dali surja um desentendimento.

Esse homem estava parado olhando para frente, com tal expressão quase medonha. Andei em sua direção e quando cheguei mais perto ele se virou em um movimento voluntário e natural. Ao revelar -me suas costas revelou-me também suas mãos que seguravam um delicado bouquet de flores vermelhas. Seus ombros se levantaram em um suspiro frustrado, com um olhar apontado para o chão e passos apertados ele deixou a estação.

Amor doce Amor

Tenho ao meu lado um amor doce. Tão doce que suaviza a amargura de domingos frustrantes e cansados. Tão doce que ouve gritos em silêncio e responde com um abraço. Tão doce que tem os olhos suaves e amendoados, que se abrem levemente para beber água no copo, que me fita com paixão e com carinho.

Ele é tão doce que desmancha-se dentro de mim, se mistura ao meu amargo e ao meu açúcar,me faz melhor e mais saborosa.

Ele carrega um nome, mas para mim é só meu amor doce. Amor completo.

Não sei que bagunça fiz na minha vida para merecer esse calor, esse carinho o conforto desses olhos e dessa alma tão doces ao meu lado. Mas sei que o tenho, e se o tenho é tão bom ter tanto doce em um domingo gelado.

Mergulho

Meu processo de imersão em mim mesma continua intenso. Essa coisa de ser atriz é muita coisa, e ao mesmo tempo para mim não dava pra ser outra coisa.

No dia em que descobri que era no palco o meu lugar decidi que tenho que ficar, mesmo que para isso signifique estar em contato com tantos fantasmas meus.

Isso de todo modo era inevitável porque eu sinto demais. E o palco acaba sendo o lugar pra dar vazão a tudo isso. E é tanto, é tanto, que me falta o ar as vezes. Tanto que as vezes fico com a impressão de que esse tanto vai se figurar em algo concreto e saltar pela garganta. Muitas vezes o sinto subir pelo estômago, pelo peito e se entalar no palato. As vezes grito, muitas vezes choro, mas principalmente me jogo no momento do "agora vai!". No momento em que se diz aqui acaba e agora começa. Pronto, alma escancarada pra verdade, corpo inteiro para a ação, olhos preparados para o jogo e tudo isso junto em conjunto e em comunhão para a diversão.

Ai!! Como amo o que faço! E faço por mim. Primeiro por mim e depois do contato com o outro o faço pelo outro também.

Só assim para justificar essa minha alma sempre em estado de alerta e melancolia, os pés prontos pra correr e o estômago gelado como que segundos antes de um salto no escuro.

Só o meu teatro mesmo para transformar tudo isso, acho que se não encontrasse um ofício que transfigure  a realidade que vejo e sinto não estaria sã. Eu teria explodido.Mas talvez não saiba o que seja ser sã e sã sou eu ao ser o que sou.

A dificuldade do descontrole

Essa coisa de vencer você mesmo é bem dura. Ao contrário dos meus colegas de sala que se apavoram por terem que apresentar três minutos de um solo na frente de todos, eu me desespero por ter que apresentar 30 movimentos acrobáticos na frente de todos.
A batalha, que também pode ser chamada de novela, já está durando 7 meses, desde o início do curso, mas ganhou corpo de gigante nas últimas semanas.
Machuquei o dedão do pé, criei rotina de treino diário, chorei, chorei, chorei. E na última aula decidi dobrar a carga e fiz duas sessões seguidas. Deixei minhas pernas flutuarem sobre minha cabeça, entregue aos anjos, perdida no desequilibrio, no descontrole que é totalmente controlado. Foi lindo, repeti dez vezes.
Hoje,domingo, voltei à escola para treinar, corpo exausto ( fui a uma festa e dormi às 4 da madrugada), e não rolou. Achei que tivesse feito as pazes com o colchão, com o chão e com o medo, mas não deu. O soluço tomou conta de tudo, vontade de gritar e de explodir, nunca fui tão Clarice no não caber em mim mesma.
Estou na cama. Vou dormir tudo o que meu corpo precisa dormir, e depois ir ao parque aqui perto, tentar entregar-me ao equilibrio do descontrole novamente, pra ter o gozo de vencer a mim mesma e entender-me ao avesso, preciso dar-me esse direito.