04 dezembro, 2012

Lado de cá

O som era da vassoura. Ela varria e me dizia. Eu também desabafava. Meus olhos se enchiam, com a voz engasgada, com minha filha nos braços, lhe contava: ela levou um tiro no peito, dentro da própria casa. De graça. E a vassoura mudava a cadência ao ouvir me. Suas mãos calejadas então paravam. Seus olhos brilhantes e negros se espantavam e sua forte voz replicava com doçura: O reconheci pela televisão, quando preparava o almoço larguei meus afazeres, e fui ver se de fato era ele. O conheci pequeno. Era descalço. Drogado. Sentava-se abandonado por cima dos carros segurando uma arma. Eu ia para a igreja e dizia; olha só aquele menino ali, que fim terá?
E então secou as lágrimas. A vassoura voltou a varrer. Eu fui ninar minha filha. Nenhum perdão ocorreu. Só dor dos dois lados.