29 agosto, 2008

O sapato

Um dia chuvoso. Minha avó não estava satisfeita por fazer o almoço. Saiu para a feira. Aflito com algo, sensação ou presságio, meu avô ainda correu à janela e a gritou pelo nome, e que belo nome, "Amanda! Amanda!". Ela de sombrinha aberta e carrinho de feira na outra mão, deu-se de costas para a janela, pois estava a conversar com uma vizinha. Não ouviu ao chamado do meu avô, ou fingiu que não ouviu, ou não era mesmo para ouvir e partiu. Desceu a rua.
Meu avô, sem ar, terminou de abotoar a camisa, andou pela casa, questionou a uma grande amiga da família ( e uma avó para mim) se não era aquele o dia delas irem juntas à feira e ela disse que não.
Desceu esbaforido pelas escadas, sem entender bem o porquê. Chegou a esquina e procurou ao redor, já sem resposta. Foi quando viu uma mulher a puxar o carrinho de feira com o par de sapatos de minha avó em seu interior.
Me contou tudo isso com as mãos delicadamente a mexer o café após o almoço. Me disse que ali tudo se acabou.
Algo definitivamente se rompeu nesse momento. A roda da vida, e das nossas vidas, mudou a direção.
Normal;
Cinza e doído. Mas ele me contou isso em um lugar em que ainda tem muitas cores e que são coloridas por ele todos os dias, dando um descanso recolhido em tempos invernais, tendo som de chamego e amor. E tenho certeza que ela se orgulha muito disso.
Ele coloriu minha infância sendo um avô e uma avó ao mesmo tempo, com histórias na beira da cama, lições de moral, de vida e de amor. Como estou feliz de vê-lo lá no dia 7, com sua gravata fina, representando tanto amor, e tantos dois para mim, em um corpo tão pequeno, para alma tão gigante.

Nenhum comentário: