03 junho, 2009

Para meu avô Napoleão

Querido avô paterno da minha infância ao seu lado lembro me do cheiro de um pé de caju, de alguns quadros em um corredor de sua casa no recreio e de cachorros grandes. Lembro de papai noel em dia de natal, barba grande, dirigindo. Sempre lembro me de você a tirar fotos e a tocar gaita.
Então tivemos um hiato no tempo. Cresci sem você. Seu amor por uma outra pessoa não foi compátivel com a harmonia e o amor de sua família, são as escolhas da vida.
Passei 8 anos sem lhe ver. Quando nos encontramos no meu aniversário de 18 anos fomos juntos almoçar, e jamais me esquecerei do seu olhar ao dizer me espantado, "18 anos?!! Meu Deus! E eu não lhe vir crescer...você era tão apegada a mim quando criança!" Isso seguido de um silêncio.
Sim vô, isso doeu, mas confortou pois ali estávamos novamente.
A semente da discórdia se afastou depois de um tempo. Mas não sem antes deixar seu rastro. Muitas cartas foram divulgadas, a intimidade de tias lindas e amadas escancaradas, atos cruéis foram feitos de forma inexplicável, mas seus três filhos permaneceram unidos, por amor e por amizade, e aos poucos se uniram ainda mais a você. Recuperando o folêgo de longos anos de uma discórdia semeada por alguém de fora, um alienigena, a quem o senhor chamou companheira.
Então o vento sacudiu a poeira, e de repente a relação da discórdia desaparecia aos poucos, ainda que em vultos as vezes aparecendo por sua casa e em sua conta bancária.
Mas então pude assistir a Kieslowski com você e ver te emocionar com a trilha do filme tantas vezes já ouvida. Te apresentei o amor da minha vida, Leo. Te vi na primeira fila do teatro na minha noite de estréia e ouvi da sua sábia boca, que havia encontrado meu caminho.
Vi um pai carinhoso com o filho, chamando-lhe de filhinho e a bater palmas de excitação ao ver-me.
Sei dos seus filmes catalogados, da sua organização extrema, do seu mundo, do seu canto e da sua solidão.
Então o vento da discórdia soprou mais uma vez. Sorrateiro como só ele pode ser. O "Deus" da manipulação e da cegueira. Onde tudo ganha carga dramática pesada. E você está aí, fora da sua casa. Seus filmes raros e catalogados ainda lá estão no seu canto, no canto que recentemente você disse que só sairia de lá morto.

Vivo está, mas sem dúvida com uma velhice que será acelerada depois disso. Sei dos que estão colocando amor em tudo isso, e é nisso que aposto Vô.
Em breve morarei no Rio e espero ver todas suas coisas no canto que será escolhido para você.
E lá sentaremos todos juntos, nós, seus netos, seus bisnetos e seus três filhos. Fazendo firme barreira para o vento da discórdia que em dramáticas palavras egoístas, cartas, emails e maldades se faz sentir. A ele não sinto nem estremeço. E assim sigamos todos nós, esses que, sim, são parte de ti.
Espero que tenha tido tempo de pôr sua gaita na bolsa.
Te amo meu avô e em breve estou aí.

2 comentários:

Anônimo disse...

Olá Julieta! Temos de fazer com que esta "nova" casa do papai seja realmente dele! Por aqui pouca coisa evoluiu, depois te conto. Bjs. Haroldo.

Tatá disse...

Uma pena que ainda que o vento da discórdia não seja sentido diretamente em nossos corpos, indiretamente ele atinge nossos corações...é inevitável!

Não entendo e espero entender algum dia a dualidade de pensamentos e sentimentos de nosso avô.

Amo você Jú!
Amo você, vô!