Nomes. Um dia
recortamos tudo. Demos nomes. Inventamos palavras. Reduzimos o
sentido ao som da junção de letras. E então fazemos assim com tudo
na vida. Profissão. Paixão. Realização. Nome. Nome. Nome. Damos
tanto nomes para o que há fora de nós que o que não se chama
também não se ouve.
Hoje quando me
perguntam minha profissão tenho que pensar muito. Sou professora de
teatro. Me formei em jornalismo. Escrevo sempre que dá, um coisa
aqui e outra acolá, pouca ficção, muita reflexão, desabafo, as
vezes poesia. Arranco algumas lágrimas dos leitores com palavras
doces e sentidas, sei colocar no papel um bucado de coisa e sou uma
contradição porque as vezes não acredito nas palavras mas me
delicio com elas. Como não acreditar? Manoel de Barros é meu santo
salvador e me salva por palavras. Deve ser porque ele não reduz
sentimentos pelo som de letras. Ele os amplia, os mastiga, os colore.
Então a palavra deixa de ser um recorte e vira arte. E se vira arte
é extensão da vida, é transfiguração; mas me falta ousadia de me
dar o nome de escritora. Sou mãe. Muito mãe. De amamentar até os
dois anos, de mudar de cidade para dar uma casa mais confortável. De
não cogitar, e preste bem atenção ao som dessa palavra COGITAR
sacrificar nossa relação por coisas que, para mim, são menores. E
olha que para ser menor que meu amor por ela não precisa lá ser
algo tão pequeno. Sou dona de casa. Decoradora. Ultimamente me
descobri habilidosa com as mãos. Faço borboletas de papel para
varanda, prego com cola flores secas na parede e perco o sono
elaborando presentes doces criativos para pessoas que amo. Sou
cozinheira. Pesquiso sabores diferentes, compro orgânicos,
integrais, não industrializados, não como carne, faço eu mesma o
leite de coco. Que nome seria isso? Seria isso também uma profissão?
Fiz 5 anos de escola de teatro, três no Brasil, dois em Londres. Me
transformei. Saí da Inglaterra ouvindo: você precisa ser vista. Dei
com a testa na porta, chorei. Só.Falei uma frase em um
longa, uma peça pequena em Londres. Muito treino. Muito ensaio. Só.
Seria atriz?
Que nome que a gente
tem? E só de escrever quantos nomes carrego tirei o peso de me
definir. Não tenho nome. Manuela me chama de mamãe juju, meu marido
de amor, minha mãe de Julieta. Eu me chamo de não sei.