30 julho, 2012

Para Henry

Os pés pisam no chão ainda frio. Eles desconhecem esse novo caminho. Com sua partida ficou a saudade do velho. Saudade do que era minha alma. Minha alma agora, mais uma vez, é outra. Não é mais aquela que existia à manhã de quarta feira. Voltar para minha vida antiga, a Belo Horizonte, não significa mais voltar ao que era. Ainda que eu cozinhe com os mesmos temperos, debaixo do mesmo teto, carregue Manuela para o mesmo parque pelo mesmo caminho. Converse ao telefone com minha mãe nos mesmos horários de sempre. Jamais será a vida anterior a quarta. O que nos faz é a vida e quem por ela cruza. Eu não me fiz católica. E conversávamos muito sobre Cristo. Eu lhe dizia que me doía aquela imagem de Cristo em pedaços de sangue, em sofrimento em uma cruz, mas o senhor dizia-me que aquilo representava renascimento. Renascimento. Tudo na vida é o modo que se vê. E que se sente.  Quantas vezes imaginei o dia em que partiria. 97 anos ora pois, pensei nisso muitas vezes. A gente tem essa mania estranha de pensar em algo que ainda não existe.  Eu sabia que você partiria na quarta, mas não disse a ninguém e quando quis dizer a mim, neguei solenemente. Suas cores vibram nas paredes da minha casa, sua última assinatura do seu último quadro, feito em parceria, ganhou beijo doce e espontâneo de sua bisneta. Eu beijei sua cama. Não pude colocar a mão em sua fronte fria como o fez seu guerreiro e amado filho Paulo. Mas eu lhe olhei. Olhei profundamente. E por ora via aquelas flores se mexerem como se respirasse aquele corpo que tanto viveu. Certa vez escrevi sobre uma cidade redonda onde sempre voltamos a onde começamos. Concordo. Mas os pés pisam diferente. E a alma carrega mais saudades. Novos sonhos. Por você carrego gratidão. Lembro me de quando cumpri o sonho de morar perto de ti, e até mingau lhe fiz. Era uma forma de eu lhe dizer muito obrigada. Obrigada por me ensinar que na cruz cheia de sangue há renascimento, que em um desaforo sincero reside um amor profundo e um desejo intenso de que o mundo seja um lugar melhor. De que viver 97 anos e querer partir e partir porque quer é privilégio de almas solenes. Antes mesmo de sua partida me lembrava todas as noites de sua voz rouca a contar me histórias pra dormir, quando faço o mesmo para minha filha. Não as mesmas. Mas histórias. E regadas de amor. E essa noite em um sono meio acordada falava comigo mesma a despedida e me despedia de cada parte do seu corpo. Sonambula dizia adeus aos seus pés, à suas mãos, dizia adeus a cada parte de ti, e acordei bem. Minha alma não é mais a mesma e como eu poderia lhe pedir: não não vá! Não havia como isso lhe pedir, que pra viver precisa se morrer. E junto ás estrelas se juntar. E não sei dizer o que se torna quando se vai. Mas o que fica de ti...esse fica comigo até eu partir.

3 comentários:

Lu Thome disse...

Julieta, querida Julietinha, linda mesmo como seu avô me descrevia, mas não cheguei a saber de seus tantos dons, devia sim ter imaginado. Neta de Henry, filha de Isabel, meu Deus, sua semente germina envolta de pura luz!

Unknown disse...

Juju, ele continua vivo em cada um de vcs. Fico tao emocionada...linda, lindo o que escrevestes...bjs Gigi

João Dobbin disse...

Maravilhoso.